Pr. Claudio Marcio
Resumo
O
presente artigo tem por objetivo esclarecer sobre o sentido cultural,
idiomático, doutrinário e espiritual dessa palavra inferno, encontrada na
Bíblia Sagrada, pelas denominações evangélicas (protestantes no Brasil), a
realidade conceitual e contextual desse termo. Utilizando-se da metodologia
bibliográfica procurou-se fundamentar a pesquisa em textos teológicos, dicionários
e comentários bíblicos relacionados ao termo. Não se tem a pretensão de esgotar
o assunto, mas apenas se estabelecer um parâmetro sobre esse conceito tão
utilizado e ao mesmo tempo ignorado em sua origem etimológica e foco
doutrinário, possibilitando assim dirimir dúvidas, esclarecer quando e como o
vocábulo ora se posiciona (ou é utilizado) como um local de expectativa à
condenação, ora sendo um(a)
local/dimensão pós-túmulo (além dessa vida).
Introdução
I.
Conhecendo Conceitos da Palavra
Tive
meu primeiro contato com o conceito inferno, enquanto palavra bíblica, alguns
poucos meses após ter aceitado a Jesus, como meu Senhor e Salvador, isto na
década de 80, ou seja, a mais de 30 anos. Fiquei surpreso, pois o conceito
doutrinário aplicado pelas denominações era sempre o conceito de lugar de
“morada do diabo”, local de sofrimento e castigo. Porém um vizinho que era
Testemunha de Jeová, na época, passou a confrontar-me, dizendo que os
ensinamentos recebidos não eram verdadeiros e careciam de melhor aprofundamento
bíblico e doutrinário. Entre uma de suas colocações me disse com firmeza, “a
sepultura é o inferno”, confesso, fiquei chocado. Fui perguntar aos meus
líderes eclesiológicos e recebi a seguinte informação: “Eles distorcem a
Bíblia”. Na época me satisfez, me senti confiante, e, olhando somente o
ensinamento de minha denominação decidi não dar ouvidos a tamanha heresia.
Os
anos se passaram (10 anos), entrei no Seminário (aos 21 anos) e me deparei,
novamente com o inferno, agora, não perguntei aos líderes denominacionais
(vide, houve uma mudança em minha mente: de líderes da igreja para líderes de
denominação), o que eles pensavam, resolvi investigar se essa informação teria
algum fundamento bíblico e teológico, pois estava resolvido a aprender e
apreender a Palavra de Deus e seus ensinamento.
Conheci
as línguas (idioma) hebraica e a grega, a hermenêutica (arte ou técnica de interpretar e explicar um texto ou discurso) e
a exegese (análise, interpretação ou
explicação detalhada e cuidadosa de uma obra, um texto, uma palavra ou
expressão) diante desse novo conhecimento (vide: não é nova informação, mas a
mesma informação agora com ferramentas que me permitiriam aprofundar-me na
leitura e investigação da origem da palavra) poderia compreender melhor o que
de fato a Bíblia queria dizer quando mencionava inferno.
Nesse
primeiro tópico será ressaltado o significado da palavra inferno em sua
etimologia em português, hebraico e grego, ou seja, existe um sentido, uma
definição, para o termo que a própria Bíblia considera, sendo assim, a
exposição aqui será para identificar o significante (o que significa ou o
significativo do termo) e o significado (definição atribuída ao
termo).
O
Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1999) assim define o inferno:
Do
lat. cristão infernu. S. m. 1. Mit. Lugar subterrâneo, onde estão as almas dos
mortos. 2. Rel. Segundo o cristianismo, lugar ou situação
pessoal em que se encontram os que morreram em estado de pecado, expressão
simbólica de reprovação divina e privação definitiva da comunhão com Deus. 3.
Bibliol. Parte de uma biblioteca onde se segregam os livros licenciosos. 4.
Fig. Tormento, martírio. 5. Grande
desordem; confusão, balbúrdia, inferneira.
Eis a questão apresentada nessa
definição, que se torna oficial, pois o documento é sério, entretanto, não se
preocupa em nos dar a fonte de maneira detalhada, pontua uma região subterrânea
onde estão as almas dos mortos, seria o centro da terra? Ainda podemos
perguntar que cristianismo ou corrente do cristianismo preceitua tal informação
que foca nos que morreram em estado de pecado – seriam apenas os que morreram
sem Cristo, ou todos os que pecaram ainda que tenha aceitado a Cristo? Não
temos então uma fonte específica a que consultar, mas sim aceitar como
verdadeira a informação e pronto. Mas o pesquisador sério, o educando dedicado,
não para nas duas primeiras definições e lê um pouco mais, indo à Bibliogia e,
diga-se de passagem, se surpreendendo com uma biblioteca de livros silenciosos
– haveriam livros barulhentos? A Quarta definição nos conduz a imaginar um
local de tormento e martírio, ou seja, sofrimento e aflição, por algo que se
fez ou que se deixou de fazer. A quinta e última definição afirma que o inferno
é o próprio caos.
O que é de causar espanto é ter essa
palavra de foro religioso e espiritual uma conceituação tão próxima a realidade
física, a tal ponto de ser definida como uma biblioteca e, ao mesmo tempo ser
um lugar ou uma situação de uma pessoa. Se nos atentarmos apenas a essa
definição (ou definições), constataremos que não é algo que devamos levar tanto
em consideração, tendo em vista suas variáveis em relação aos diversos
significados e, a possibilidade de ser algo inventado pelo próprio homem.
Vejamos a definição no Dicionário
Bíblico de Wycliffe (PFEIFFER, 2007, p. 968) para a palavra inferno:
No
uso comum e teológico é o lugar para o futuro castigo dos que morreram no
pecado. No entanto, como a versão KJV (Rei Thiago) em inglês usa o termo
“inferno” como a sepultura e o lugar dos espíritos desencarnados, tanto bons
quanto maus, deve-se ter cautela para evitar erros e confusão.
Os autores do Dicionário supracitado
afirmam que a Versão do Rei Thiago da Bíblia Sagrada usa o termo como sendo a
sepultura, local onde vão os espíritos de homens bons e maus. Ou seja,
colidindo com o senso comum eclesiológico, o inferno é para todos. Parece ser
algo estranho, entretanto, é mais uma das grandes realidades que podemos
contatar ao estudarmos a Palavra de Deus: o termo contextual vai além do
conceito denominacional.
É possível que o leitor esteja
chocado ou perplexo, mas lembre-se, você está investigando, não pare agora, há
muito mais a descobrir para fundamentar sua fé, e não mais ser levado por
qualquer vento de doutrina que lhe apresentem. Não estamos considerando a
doutrina nesse primeiro tópico, mas sim como o termo nos tem sido apresentado
em sua definição.
Mas então a palavra inferno
significa sepultura e somente? Local de tormento e sofrimento não poderiam ser
considerados em sua definição? As respostas são simples, mas não fáceis, por
isto estamos dialogando com os termos e depois sim, confrontaremos as questões
conceituais, para tanto vejamos mais essa definição do Novo Dicionário de
Teologia (FERGUSON, 2011, p. 343):
O
“inferno”, o destino final daqueles rejeitados no julgamento, éé uma tradução
do gr. Gehenna, derivado do heb. Gehinnom, vale fora de Jerusalém
que se tornou símbolo da condenação, por terem sido ali oferecidos sacrifícios
de crianças (2Cr 28.3; 33.6). A descrição que o evangelho faz do geena (inferno),
como lugar de trevas e fogo inextinguível (Mc 9.43; Mt 8.12), representa a destruição
e a negatividade absolutas envolvidas na exclusão da presença de Deus. Essa
exclusão da presença de Deus é o significado real do inferno, que
está
claro no ensino de Jesus (Mt 7.23; 10.32ss) e de Paulo.
Acrescenta-se ao termo nessa
definição, a exclusão da presença de Deus, os autores ainda afirmam que é um
ensinamento claro de Jesus sobre o tema, entretanto, dando uma olhada no texto
e seu contexto, não podemos ter essa certeza, pois o termo inferno não é
explicitado como um local de perecimento, mas sim que nesse local inferno é
possível se fazer perecer a alma e o corpo. Ou seja, se o inferno já fosse o
local de perecimento, por que mencionar que nele é possível se fazer perecer,
parece ser uma redundância, fazer perecer, no lugar destinado ao sofrimento, existe
algo que precisamos investigar mais, ter mais certeza e convicção antes de
qualquer afirmação.
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