RESUMO: O conceito de Ecopedagogia está relacionado com a
sustentabilidade, para além da economia e da ecologia. A ecopedagogia inclui
abordagens da planetaridade, educação para o futuro, cidadania planetária,
virtualidade e a Pedagogia da Terra. A meta deste enfoque é discutir os
paradigmas da Terra como uma comunidade global. Os princípios da Ecopeda-gogia
são mais amplos do que a educação ambiental, desde que seu debate inclui
processos de "co-educação", no marco da cultura de sustentabilidade,
dentro e fora das escolas. A sustentabilidade educativa está além das nossas
relações com o ambiente – ela se insere desde o quotidiano da vida, o profundo
valor da nossa existência e nossos projetos de vida no Planeta Terra. Neste
sentido, a Ecopedagogia, ou Pedagogia da Terra, é algo mais apropriado para a
construção coletiva da Carta da Terra.
Palavras chaves: ecopedagogia, educação sustentável, pedagogia da
Ter o:p>
ABSTRACT: The concept of "Ecopedagogy" is
related to life sustainability, forward economy or ecology. The Ecopedagogy
includes approaches of "planetaridade", education for the future,
sustainability, planetary citizenship, virtuality or even Earth Pedagogy. The
main aim of this study is to bring up Earth paradigm as a global community. The
ecopedagogy concept is much larger than environmental education, since the
central issue aims to debate the process of "co-education", within
the culture of sustainability, inside and outside school’s projects. The
sustainability education is much more than relationship with environment – it
aims to debate, from quotidian life, the deep sense of our existence, our life
project in the Planet Earth. In this scene, the Ecopedagogy, or Earth Pedagogy,
is much more adequate to the collective process for building Earth Charter.
Key words: Ecopedagogy, education for
sustainability, Earth pedagogy
Três décadas de debates sobre "nosso futuro comum" deixaram
algumas pegadas ecológicas, tanto no campo da economia, quanto no campo da
ética, da política e da educação, que podem nos indicar um caminho diante dos
desafios do Século XXI. A sustentabilidade tornou-se um tema gerador
preponderante neste início de milênio para pensar não só o planeta, um tema
portador de um projeto social global e capaz de reeducar nosso olhar e todos os
nossos sentidos, capaz de reacender a esperança num futuro possível, com
dignidade, para todos.
O cenário não é otimista: podemos destruir toda a vida no planeta
neste milênio que se inicia. Uma ação conjunta global é necessária, um
movimento como grande obra civilizatória de todos é indispensável para
realizarmos essa outra globalização, essa planetarização,
fundamentada em outros princípios éticos que não os baseados na exploração
econômica, na dominação política e na exclusão social. O modo pelo qual vamos
produzir nossa existência neste pequeno planeta, decidirá sobre a sua vida ou a
sua morte, e a de todos os seus filhos e filhas. A Terra deixou de ser um fenômeno
puramente geográfico para se tornar um fenômeno histórico.
Os paradigmas clássicos, fundados numa visão
industrialista predatória, antropocêntrica e desenvolvimentista, estão se
esgotando, não dando conta de explicar o momento presente e de responder às
necessidades futuras. Necessitamos de um outro paradigma, fundado numa visão
sustentável do planeta Terra. O globalismo é essencialmente insustentável. Ele
atende primeiro às necessidades do capital e depois às necessidades humanas. E
muitas das necessidades humanas a que ele atende, tornaram-se
"humanas" apenas porque foram produzidas como tais para servirem ao
capital.
1- Pedagogia da Terra e educação sustentável
A sensação de pertencimento à Terra não se inicia na idade adulta e nem
por um ato de razão. Desde a infância, sentimo-nos ligados com algo que é muito
maior do que nós. Desde criança nos sentimos profundamente ligados ao universo
e nos colocamos diante dele num misto de espanto e de respeito. E, durante toda
vida, buscamos respostas ao que somos, de onde viemos, para onde vamos, enfim,
qual o sentido da nossa existência. É uma busca incessante e que jamais
termina. A educação pode ter um papel nesse processo se colocar questões
filosóficas fundamentais, mas também se souber trabalhar ao lado do
conhecimento essa nossa capacidade de nos encantar com o universo.
Hoje, tomamos consciência de que o sentido das nossas vidas não está
separado do sentido do próprio planeta. Diante da degradação das nossas vidas
no planeta chegamos a uma verdadeira encruzilhada entre um caminho Tecnozóico,
que coloca toda a fé na capacidade da tecnologia de nos tirar da crise sem
mudar nosso estilo poluidor e consumista de vida e um caminho Ecozóico,
fundado numa nova relação saudável com o planeta, reconhecendo que somos parte
do mundo natural, vivendo em harmonia com o universo, caracterizado pelas
atuais preocupações ecológicas. Temos que fazer escolhas. Elas definirão
o futuro que teremos. Não me parece realmente que sejam caminhos totalmente
opostos. Tecnologia e humanismo não se contrapõem. Mas, é claro, houve excessos
no nosso estilo poluidor e consumista de vida e que não é fruto da técnica, mas
do modelo econômico. Este é que tem que ser posto e causa. E esse é um dos
papéis da educação sustentável ou ecológica.
O desenvolvimento sustentável, visto de forma crítica, tem um componente
educativo formidável: a preservação do meio ambiente depende de uma
consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação. É aqui
que entra em cena a Pedagogia da Terra, a ecopedagogia. Ela é uma pedagogia
para a promoção da aprendizagem do "sentido das coisas a partir da
vida cotidiana", como dizem Francisco Gutiérrez e Cruz Prado em seu livro Ecopedagogia
e cidadania planetária (São Paulo, IPF/Cortez, 1998). Encontramos o sentido
ao caminhar, vivenciando o contexto e o processo de abrir novos caminhos; não
apenas observando o caminho. É, por isso, uma pedagogia democrática e
solidária. A pesquisa de Francisco Gutiérrez e Cruz Prado sobre a ecopedagogia
originou-se na preocupação com o sentido da vida cotidiana. A formação está
ligada ao espaço/tempo no qual se realizam concretamente as relações entre o
ser humano e o meio ambiente. Elas se dão sobretudo no nível da sensibilidade,
muito mais do que no nível da consciência. Elas se dão, portanto, muito mais no
nível da sub-consciência: não as percebemos e, muitas vezes, não sabemos como
elas acontecem. É preciso uma ecoformação para torná-las conscientes. E a
ecoformação necessita de uma ecopedagogia. Como destaca Gaston Pineau em seu
livro De l’air: essai sur l‘écoformation (Paris, Païdeia, 1992) uma
série de referenciais se associam para isso: a inspiração bachelardiana, os
estudos do imaginário, a abordagem da transversalidade, da
transdisciplinaridade e da interculturalidade, o construtivismo e a pedagogia
da alternância.
Precisamos de uma ecopedagogia e uma ecoformação hoje, precisamos de uma
Pedagogia da Terra, justamente porque sem essa pedagogia para a
re-educação do homem/mulher, principalmente do homem ocidental, prisioneiro de
uma cultura cristã predatória, não poderemos mais falar da Terra como um lar,
como uma toca, para o "bicho-homem", como fala Paulo Freire. Sem uma educação
sustentável, a Terra continuará apenas sendo considerada como espaço de
nosso sustento e de domínio técnico-tecnológico, objeto de nossas pesquisas,
ensaios, e, algumas vezes, de nossa contemplação. Mas não será o espaço de
vida, o espaço do aconchego, de "cuidado" (Leonardo Boff, Saber
cuidar, Petrópolis, Vozes, 1999).
Não aprendemos a amar a Terra lendo livros sobre isso, nem livros de
ecologia integral. A experiência própria é o que conta. Plantar e seguir o
crescimento de uma árvore ou de uma plantinha, caminhando pelas ruas da cidade
ou aventurando-se numa floresta, sentindo o cantar dos pássaros nas manhãs
ensolaradas ou não, observando como o vento move as plantas, sentindo a areia
quente de nossas praias, olhando para as estrelas numa noite escura. Há muitas
formas de encantamento e de emoção frente às maravilhas que a natureza nos
reserva. É claro existe a poluição, a degradação ambiental para nos lembrar de
que podemos destruir essa maravilha e para formar nossa consciência ecológica e
nos mover à ação. Acariciar uma planta, contemplar com ternura um pôr de sol,
cheirar o perfume de uma folha de pitanga, de goiaba, de laranjeira ou de um
cipreste, de um eucalipto... são múltiplas formas de viver em relação
permanente com esse planeta generoso e compartilhar a vida com todos os que o
habitam ou o compõem. A vida tem sentido, mas ele só existe em relação. Como
diz o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade: "Sou um homem
dissolvido na natureza. Estou florescendo em todos os ipês".
Isso Drummond só poderia dizer aqui na Terra. Se estivesse em outro
planeta do sistema solar ele não diria o mesmo. Só a Terra é amigável com o ser
humano. Os outros planetas são francamente hostis a ele, embora tenham sido
originados na mesma poeira cósmica. Existirão outros planetas fora do sistema
solar que abrigam a vida, talvez a vida inteligente? Se levarmos em conta que a
matéria da qual se originou o universo é a mesma, é muito provável. Mas, por
ora, só temos um que é francamente nosso amigo. Temos que aprender a amá-lo.
Como se traduz na educação o princípio da sustentabilidade? Ele se
traduz por perguntas como: até que ponto há sentido no que fazemos? Até que
ponto nossas ações contribuem para a qualidade de vida dos povos e para a sua
felicidade? A sustentatibilidade é um princípio reorientador da educação e
principalmente dos currículos, objetivos e métodos.
É no contexto da evolução da própria ecologia que surge e ainda
engatinha, o que chamamos de "ecopedagogia", inicialmente chamada de
"pedagogia do desenvolvimento sustentável" e que hoje ultrapassou
esse sentido. A ecopedagogia está se desenvolvimento seja como um movimento pedagógico
seja como abordagem curricular.
Como a ecologia, a ecopedagogia também pode ser entendida como um movimento
social e político. Como todo movimento novo, em processo, em evolução, ele
é complexo e, pode tomar diferentes direções, até contraditórias. Ele pode ser
entendido diferentemente como o são as expressões "desenvolvimento
sustentável" e "meio ambiente". Existe uma visão capitalista do
desenvolvimento sustentável e do meio ambiente que, por ser anti-ecológica,
deve ser considerada como uma "armadilha", como vem sustentando
Leonardo Boff.
A ecopedagogia também implica uma reorientação dos currículos
para que incorporem certos princípios defendidos por ela. Estes princípios
deveriam, por exemplo, orientar a concepção dos conteúdos e a elaboração dos
livros didáticos. Jean Piaget nos ensinou que os currículos devem contemplar o
que é significativo para o aluno. Sabemos que isso é correto, mas incompleto.
Os conteúdos curriculares têm que ser significativos para o aluno, e só serão
significativos para ele, se esses conteúdos forem significativos também para a
saúde do planeta, para o contexto mais amplo.
Colocada neste sentido, a ecopedagogia não é uma pedagogia a mais, ao
lado de outras pedagogias. Ela só tem sentido como projeto alternativo global
onde a preocupação não está apenas na preservação da natureza (Ecologia
Natural) ou no impacto das sociedades humanas sobre os ambientes naturais
(Ecologia Social), mas num novo modelo de civilização sustentável do ponto de
vista ecológico (Ecologia Integral) que implica uma mudança nas estruturas
econômicas, sociais e culturais. Ela está ligada, portando, a um projeto
utópico: mudar as relações humanas, sociais e ambientais que temos hoje. Aqui
está o sentido profundo da ecopedagogia, ou de uma Pedagogia da Terra, como a
chamamos.
A ecopedagogia não se opõe à educação ambiental. Ao
contrário, para a ecopedagogia a educação ambiental é um pressuposto. A
ecopedagogia incorpora-a e oferece estratégias, propostas e meios para a sua
realização concreta. Foi justamente durante a realização do Fórum Global
92, no qual se discutiu muito a educação ambiental, que se percebeu a
importância de uma pedagogia do desenvolvimento sustentável ou de uma ecopedagogia.
Hoje, porém, a ecopedagogia tornou-se um movimento e uma perspectiva da
educação maior do que uma pedagogia do desenvolvimento sustentável. Ela está
mais para a educação sustentável, para uma ecoeducação, que é mais ampla
do que a educação ambiental. A educação sustentável não se preocupa apenas com
uma relação saudável com o meio ambiente, mas com o sentido mais
profundo do que fazemos com a nossa existência, a partir da vida cotidiana.
2 – Consciência planetária, cidadania planetária, civilização planetária
A globalização, impulsionada sobretudo pela tecnologia, parece
determinar cada vez mais nossas vidas. As decisões sobre o que nos acontece no
dia-a-dia parecem nos escapar, por serem tomadas muito distante de nós,
comprometendo nosso papel do sujeitos da história. Mas não é bem assim. Como
fenômeno e como processo, a globalização tornou-se irreversível, mas não esse
tipo de globalização – o globalismo – ao qual estamos submetidos hoje: a
globalização capitalista. Seus efeitos mais imediatos são o desemprego, o
aprofundamento das diferenças entre os poucos que têm muito e os muitos que têm
pouco, a perda de poder e autonomia de muita Estados e Nações. Há pois que
distinguir os países que hoje comandam a globalização – os globalizadores
(países ricos) – dos países que sofrem a globalização, os países globalizados
(pobres).
Dentro deste complexo fenômeno podemos distinguir também a globalização
econômica, realizada pelas transnacionais, da globalização da cidadania.
Ambas se utilizam da mesma base tecnológica, mas com lógicas opostas. A
primeira, submetendo Estados e Nações, é comandada pelo interesse capitalista;
a segunda globalização é a realizada através da organização da Sociedade Civil.
A Sociedade Civil globalizada é a resposta que a Sociedade Civil como um todo e
as ONGs estão dando hoje à globalização capitalista. Neste sentido, o Fórum
Global 92 se constituiu num evento dos mais significativos do final de século
XX: deu grande impulso à globalização da cidadania. Hoje, o debate em torno da Carta
da Terra está se constituindo num fator importante de construção desta
cidadania planetária. Qualquer pedagogia, pensada fora da globalização e do
movimento ecológico, tem hoje sérios problemas de contextualização.
"Estrangeiro eu não vou ser. Cidadão do mundo eu sou",
diz uma das letras de música cantada pelo cantor brasileiro Milton Nascimento.
Se as crianças de nossas escolas entendessem em profundidade o significado das
palavras desta canção, estariam iniciando uma verdadeira revolução pedagógica e
curricular. Como posso sentir-me estrangeiro em qualquer território se pertenço
a um único território, a Terra? Não há lugar estrangeiro para terráqueos, na
Terra. Se sou cidadão do mundo, não podem existir para mim fronteiras. As
diferenças culturais, geográficas, raciais e outras enfraquecem, diante do meu
sentimento de pertencimento à Humanidade.
A noção de cidadania planetária (mundial) sustenta-se na visão
unificadora do planeta e de uma sociedade mundial. Ela se manifesta em
diferentes expressões: "nossa humanidade comum", "unidade na
diversidade", "nosso futuro comum", "nossa pátria
comum", "cidadania planetária". Cidadania Planetária é uma
expressão adotada para expressar um conjunto de princípios, valores, atitudes e
comportamentos que demonstra uma nova percepção da Terra como uma única
comunidade. Freqüentemente associada ao "desenvolvimento
sustentável", ela é muito mais ampla do que essa relação com a economia.
Trata-se de um ponto de referência ético indissociável da civilização
planetária e da ecologia. A Terra é "Gaia", um super-organismo
vivo e em evolução, o que for feito a ela repercutirá em todos os seus filhos.
Cultura da sustentabilidade supõe uma pedagogia da sutentabilidade
que dê conta da grande tarefa de formar para a cidadania planetária. Esse é um
processo já em marcha. A educação para a cidadania planetária está
começando através de numerosas experiências que, embora muitas delas sejam
locais, elas nos apontam para uma educação para nos sentir membros para além da
Terra, para viver uma cidadania cósmica. Os desafios são enormes
tanto para os educadores quanto para os responsáveis pelos sistemas
educacionais. Mas já existem certos sinais, na própria sociedade, que apontam
para uma crescente busca não só por temas espiritualistas e de auto-ajuda, mas
por um conhecimento científico mais profundo do universo.
Educar para a cidadania planetária implica muito mais do que uma
filosofia educacional, do que o enunciado de seus princípios. A educação para a
cidadania planetária implica uma revisão dos nossos currículos, uma reorientação
de nossa visão de mundo da educação como espaço de inserção do indivíduo não
numa comunidade local, mas numa comunidade que é local e global ao mesmo tempo.
Educar, então, não seria como dizia Émile Durheim, a transmissão da cultura
"de uma geração para outra", mas a grande viagem de cada indivíduo no
seu universo interior e no universo que o cerca.
O tipo de globalização de hoje está muito mais ligada ao fenômeno da
mundialização do mercado, que é um tipo de mundialização. E mesmo esta mundialização,
fundada no mercado, pode ser vista como uma globalização cooperativa ou como
uma globalização competitiva sem solidariedade. Entre o estatismo
absolutista e a mão invisível do mercado, pode existir (e existe) uma nova
economia de mercado (há mercados e mercados!) onde predomina a cooperação e a
solidariedade e não a competitividade selvagem, uma economia solidária, a
verdadeira economia da sustentabilidade. Por tudo isso, precisamos construir
uma "outra globalização" (Milton Santos, Por uma outra globalização:
do pensamento único à consciência universal. São Paulo, Record, 2000), uma
globalização fundada no princípio da solidariedade.
A globalização em si não é problemática, pois representa um processo de
avanço sem precedentes na história da humanidade. O que é problemático é a
globalização competitiva onde os interesses do mercado se sobrepõem aos
interesses humanos, onde os interesses dos povos se subordinam aos interesses
corporativos das grandes empresas transnacionais. Assim, podemos distinguir uma
globalização competitiva de uma possível globalização cooperativa e solidária
que, em outros momentos, chamamos de processo de "planetarização". A
primeira está subordinada apenas às leis do mercado e a segunda subordina-se
aos valores éticos e à espiritualidade humana. Para essa segunda globalização é
que a Carta da Terra, como um código de ética universal, deveria dar uma
contribuição importante, não apenas através da proclamação que os Estados podem
fazer, mas, sobretudo, pelo impacto que seus princípios poderão ter na vida
cotidiana do cidadão planetário.
3 – Movimento pela ecopedagogia
Essa travessia de milênio caracteriza-se por um enorme avanço
tecnológico e também por uma enorme imaturidade política: enquanto a Internet
nos coloca no centro da Era da Informação, o governo do humano continua muito
pobre, gerando misérias e deterioração. Podemos destruir toda a vida do
planeta. 500 empresas transnacionais controla 25% da atividade econômica
mundial e 80% das inovações tecnológicas. A globalização econômica capitalista
enfraqueceu os Estados Nacionais impondo limites para a sua autonomia,
subordinando-os à lógica econômica das transnacionais. Gigantescas dívidas
externas governam países e impedem a implantação de políticas sociais
eqüalizadoras. As empresas transnacionais trabalham para 10% da população
mundial que se situa nos países mais ricos, gerando uma tremenda exclusão. Esse
é o cenário da travessia, um cenário ainda mais problemático pela falta de
alternativas.
Os paradigmas clássicos estão esgotando suas possibilidades de
responder adequadamente a esse novo contexto. Não conseguem explicar essa
travessia, muito menos, passar por ela. Há uma crise de inteligibilidade diante
da qual muitos falsos profetas e charlatães oferecem soluções mágicas. Uma nova
espiritualidade surge muito bem aproveitada pelas mercoreligiões. A resposta
dada pelo estatismo burocrático e autoritário é tão ineficiente quanto o
neoliberalismo do deus mercado. O neoliberalismo propõe mais poder para as
transnacionais e os estatistas propõem mais poder para o Estado, reforçando as
suas estruturas. No meio de tudo isso está o cidadão comum que não é, nem
empresário, nem Estado. A resposta parece estar além deste dois modelos
clássicos, mas certamente não numa suposta "terceira via" que deseja
apenas dar sobrevida ao capitalismo sofisticando a dominação política, a
exploração econômica e provocando enorme exclusão social. A resposta parece vir
hoje do fortalecimento do controle cidadão frente ao Estado e ao Mercado, a
Sociedade Civil fortalecendo sua capacidade de governar-se e controlar o
desenvolvimento. Aqui entra o papel importante da educação, da formação para a
cidadania ativa.
Podemos dizer que há uma comunidade sustentável que vive em harmonia com
o seu meio ambiente, não causando danos a outras comunidades, nem para a
comunidade de hoje, e nem para a de amanhã. E isso não pode constituir-se
apenas num compromisso ecológico, mas ético-político, alimentado por uma
pedagogia, isto é, por uma ciência da educação e uma prática social definida.
Nesse sentido, a ecopedagogia, inserida nesse movimento sócio-histórico,
formando cidadãos capazes de escolherem os indicadores de qualidade do seu
futuro, se constitui numa pedagogia inteiramente nova e intensamente
democrática.
O Movimento pela Ecopedagogia ganhou impulso sobretudo a partir do
Primeiro Encontro Internacional da Carta da Terra na Perspectiva da Educação,
organizado pelo Instituto Paulo, com o apoio do Conselho da Terra e da UNESCO,
de 23 a 26 de agosto de 1999, em São Paulo e do I Fórum Internacional sobre
Ecopedagogia, realizado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade do Porto, Portugal, de 24 a 26 de março de 2000. Desses encontros
surgiram os princípios orientadores desse movimento contidos numa "Carta
da Ecopedagogia". Eis alguns deles:
1. O planeta como uma
única comunidade.
2. A Terra como mãe,
organismo vivo e em evolução.
3. Uma nova consciência
que sabe o que é sustentável, apropriado, o faz sentido para a nossa existência.
4. A ternura para com
essa casa. Nosso endereço é a Terra.
5. A justiça
sócio-cósmica: a Terra é um grande pobre, o maior de todos os pobres.
6. Uma pedagogia biófila
(que promove a vida): envolver-se, comunicar-se, compartilhar, problematizar,
relacionar-se entusiasmar-se.
7. Uma concepção do
conhecimento que admite só ser integral quando compartilhado.
8. O caminhar com
sentido (vida cotidiana).
9. Uma racionalidade
intuitiva e comunicativa: afetiva, não instrumental.
10. Novas atitudes: reeducar o olhar, o
coração.
11. Cultura da sustentabilidade:
ecoformação. Ampliar nosso ponto de vista.
As pedagogias clássicas eram antropocêntricas. A ecopedagogia parte de
uma consciência planetária (gêneros, espécies, reinos, educação formal,
informal e não-formal...). Ampliamos o nosso ponto de vista. Do homem para o
planeta, acima de gêneros, espécies e reinos. De uma visão antropocêntrica para
uma consciência planetária, para uma prática de cidadania planetária e para uma
nova referência ética e social: a civilização planetária.
Não se pode dizer que a ecopedagogia representa já uma tendência
concreta e notável na prática da educação contemporânea. Se ela já tivesse suas
categorias definidas e elaboradas, ela estaria totalmente equivocada, pois uma
perspectiva pedagógica não pode nascer de um discurso elaborado por
especialistas. Ao contrário, o discurso pedagógico elaborado é que nasce de uma
prática concreta, testada e comprovada. A ecopedagogia está ainda em formação e
formulação como teoria da educação. Ela se está se manifestando em muitas
práticas educativas que o "Movimento pela ecopedagogia", liderado
pelo Instituto Paulo Freire, tenta congregar.
O Movimento pela Ecopedagogia, surgido no seio da iniciativa da Carta da
Terra. Ele está dando apoio ao processo de discussão da Carta da Terra,
indicando justamente uma metodologia apropriada que não seja a
metodologia da simples "proclamação" governamental, de uma declaração
formal, mas a tradução de um processo vivido e da participação crítica da
"demanda", como diz Francisco Gutiérrez.
A Carta da Terra deve ser entendida sobretudo como um movimento ético
global para se chegar a um código de ética planetário, sustentando um
núcleo de princípios e valores que fazem frente à injustiça social e à falta de
eqüidade reinante no planeta. Cinco pilares sustentam esse núcleo: a) direitos
humanos; b) democracia e participação; c) eqüidade; d) proteção da minoria; e)
resolução pacífica dos conflitos. Esses pilares são cimentados por uma visão de
mundo solidária e respeitosa da diferença (consciência planetária).
O intercâmbio planetário que ocorre hoje em função da expansão das
oportunidades de acesso à comunicação, notadamente através da Internet, deverá
facilitar o diálogo inter e transcultural e o desenvolvimento desta nova ética
planetária. A campanha da Carta da Terra agrega um novo valor e oferece um novo
impulso a esse movimento pela ética na política, na economia, na educação etc.
Ela se tornará realmente forte e, talvez, decisiva, no momento em que
representar um projeto de futuro um contraprojeto global e local ao
projeto político-pedagógico, social e econômico neoliberal, que não só é
intrinsecamente insustentável, como também essencialmente injusto e desumano.
4 – A ecopedagogia como pedagogia apropriada ao processo da Carta da
Terra
Precisamos de uma "Pedagogia da Terra", uma pedagogia
apropriada para esse momento de reconstrução paradigmática, apropriada à
cultura da sustentabilidade e da paz, por isso, apropriada ao
processo da Carta Terra. Ela vem se constituindo gradativamente,
beneficiando-se de muitas reflexões que ocorreram nas últimas décadas,
principalmente no interior do movimento ecológico. Ela se fundamenta num
paradigma filosófico (Paulo Freire, Leonardo Boff, Sebastião Salgado,
Boaventura de Sousa Santos, Milton Santos) emergente na educação que propõe um
conjunto de saberes/valores interdependentes. Entre eles podemos destacar:
1º) Educar para pensar globalmente. Na era da
informação, diante da velocidade com que o conhecimento é produzido e
envelhece, não adianta acumular informações. É preciso saber pensar. E pensar a
realidade. Não pensar pensamentos já pensados. Daí a necessidade de
recolocarmos o tema do conhecimento, do saber aprender, do saber conhecer, das
metodologias, da organização do trabalho na escola.
2º) Educar os sentimentos. O ser humano é o único ser
vivente que se pergunta sobre o sentido de sua vida. Educar para sentir e ter
sentido, para cuidar e cuidar-se, para viver com sentido em cada instante da
nossa vida. Somos humanos porque sentimos e não apenas porque pensamos. Somos
parte de um todo em construção.
3º) Ensinar a identidade terrena como condição
humana essencial. Nosso destino comum no planeta, compartilhar com todos, sua
vida no planeta. Nossa identidade é ao mesmo tempo individual e cósmica. Educar
para conquistar um vínculo amoroso com a Terra, não para explorá-la, mas para
amá-la.
4º) Formar para a consciência planetária. Compreender
que somos interdependentes. A Terra é uma só nação e nós, os terráqueos, os
seus cidadãos. Não precisaríamos de passaportes. Em nenhum lugar na Terra
deveríamos nos considerar estrangeiros. Separar primeiro de terceiro mundo,
significa dividir o mundo para governá-lo a partir dos mais poderosos; essa é a
divisão globalista entre globalizadores e globalizados, o contrário do processo
de planetarização.
5º) Formar para a compreensão. Formar para a ética do
gênero humano, não para a ética instrumental e utilitária do mercado. Educar
para comunicar-se. Não comunicar para explorar, para tirar proveito do outro,
mas para compreendê-lo melhor. A Pedagogia da Terra funda-se nesse novo
paradigma ético e numa nova inteligência do mundo. Inteligente não é aquele que
sabe resolver problemas (inteligência instrumental), mas aquele que tem um
projeto de vida solidário. Porque a solidariedade não é hoje apenas um valor. É
condição de sobrevivência de todos.
6º) Educar para a simplicidade e para a quietude.
Nossas vidas precisam ser guiadas por novos valores: simplicidade, austeridade,
quietude, paz, saber escutar, saber viver juntos, compartir, descobrir e fazer
juntos. Precisamos escolher entre um mundo mais responsável frente à cultura
dominante que é uma cultura de guerra, de competitividade sem solidariedade, e
passar de uma responsabilidade diluída à uma ação concreta, praticando a
sustentabilidade na vida diária, na família, no trabalho, na escola, na rua. A
simplicidade não se confunde com a simploriedade e a quietude não se confunde com
a cultura do silêncio. A simplicidade tem que ser voluntária como a mudança de
nossos hábitos de consumo, reduzindo nossas demandas. A quietude é uma virtude,
conquistada com a paz interior e não pelo silêncio imposto.
É claro, tudo isso supõe justiça e justiça supõe que todas e
todos tenham acesso à qualidade de vida. Seria cínico falar de redução de
demandas de consumo, atacar o consumismo, falar de consumismo aos que ainda não
tiveram acesso ao consumo básico. Não existe paz sem justiça.
Diante do possível extermínio do planeta, surgem alternativas numa cultura
da paz e uma cultura da sustentabilidade. Sustentabilidade
não tem a ver apenas com a biologia, a economia e a ecologia. Sustentabilidade
tem a ver com a relação que mantemos conosco mesmos, com os outros e com a
natureza. A pedagogia deveria começar por ensinar sobretudo a ler o mundo, como
nos diz Paulo Freire, o mundo que é o próprio universo, por que é ele nosso
primeiro educador. Essa primeira educação é uma educação emocional que nos coloca
diante do mistério do universo, na intimidade com ele, produzindo a emoção de
nos sentirmos parte desse sagrado ser vivo e em evolução permanente.
Não entendemos o universo como partes ou entidades separadas, mas
como um todo sagrado, misterioso, que nos desafia a cada momento de nossas
vidas, em evolução, em expansão, em interação. Razão, emoção e intuição são
partes desse processo, onde o próprio observador está implicado. O
Paradigma-Terra é um paradigma civilizatório. E como a cultura da sustentabilidade
oferece uma nova percepção da Terra, considerando-a como uma única comunidade
de humanos, ela se torna básica para uma cultura de paz.
O universo não está lá fora. Está dentro de nós. Está muito próximo de
nós. Um pequeno jardim, uma horta, um pedaço de terra, é um microcosmos
de todo o mundo natural. Nele encontramos formas de vida, recursos de vida,
processos de vida. A partir dele podemos reconceitualizar nosso currículo escolar.
Ao construí-lo e ao cultivá-lo podemos aprender muitas coisas. As crianças o
encaram como fonte de tantos mistérios! Ele nos ensina os valores da
emocionalidade com a Terra: a vida, a morte, a sobrevivência, os valores da
paciência, da perseverança, da criatividade, da adaptação, da transformação, da
renovação... Todas as nossas escolas podem transformar-se em jardins e
professores-alunos, educadores-educandos, em jardineiros. O jardim nos ensina
ideais democráticos: conexão, escolha, responsabilidade, decisão, iniciativa,
igualdade, biodiversidade, cores, classes, etnicidade, e gênero.
"Carta" significa "mapa", um mapa para nos guiar
nessa travessia conturbada. A Carta da Terra, nesse
sentido, precisa ser considerada como um código de ética planetária a nos guiar
hoje para um mundo onde predominem os valores da solidariedade e da
sustentabilidade, um projeto, um movimento, um processo, que pode transformar o
risco de extermínio em oportunidade histórica, transformar o temor em
esperança. Adotar e promover a prática de seus valores, não pode ser apenas o
compromisso de Estados e Nações, mas de cada ser humano, individual, pessoal,
como sujeito da história, como vem promovendo o Manifesto 2000 da
UNESCO. Precisamos de uma cultura de paz com justiça social para enfrentar a
barbárie. Se aceitamos a barbárie, acostumamo-nos a um cotidiano de violência e
de insustentabilidade.
No nosso livro Pedagogia da Terra defendemos a necessidade de uma
Carta da Terra associada a um processo de paz, a uma cultura de paz. E, como a
Carta da Terra é um documento ético, precisa da educação para tornar-se cada
vez mais conhecido. Mas precisamos não só de mudança na consciência das
pessoas. Precisamos de mudanças estruturais no campo econômico, como as
propostas pela Agenda 21. A Carta da Terra precisa estar
associada também à Agenda 21 e ter um grande suporte na sociedade civil. Os
governos podem assinar tratados, podem adotar a Carta da Terra, mas não
cumprirão suas promessas se a sociedade civil não estiver vigilante e não
pressionar os governantes para que eles cumpram o que assumem. O que foi socialmente
construído pode ser socialmente transformado. Um outro mundo é possível. Uma
outra globalização é possível. Precisamos chegar lá juntos e, sobretudo, em
tempo.
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